Opinião
- 26 de maio de 2017
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Para que serve o sexo? E para que serve o casamento?
Segunda parte do artigo “Reinventando a visão bíblica de casamento e sexo”
Por Glynn Harrison
Traduzido por Elisa Camargo
Devemos entender que a revolução sexual tem poder narrativo. Segundo o filósofo Charles Taylor, os feitos entrelaçados a narrações possuem maior poder persuasivo. Assim sendo, para contrariar eficazmente algumas narrativas, não basta oferecer dados e evidências rivais. É necessário, também, contar uma história diferente.1
No imaginário popular, a revolução sexual não é uma lista de feitos, mas uma história. É a narrativa da libertação do espírito humano da vergonha asfixiante da tradição cristã. Nela, encontramos argumentos secundários, como heróis que tiveram coragem de nadar contra a corrente do ódio e do preconceito e vilões que tentaram afogá-los. Ouvimos essas histórias vez ou outra, em séries cômicas e românticas, em dramas e em documentários. Nossa resposta, muitas vezes, é um monte de argumentos complicados ou listas de “desviações” e enfermidades. Isso simplesmente não funciona. Precisamos contar outra história. Uma melhor, que satisfaça tanto a imaginação como o intelecto.
O que fazer então?
Primeiro, precisamos de uma crítica melhor, que comece abordando a revolução sexual em seus próprios termos, não nos nossos. Deveríamos estar dispostos a humilhar-nos. Quanto ao desafio da cultura cristã de vergonha, julgamentos e hipocrisia, devemos aceitar a bronca e demonstrar que estamos genuinamente dispostos a aprender e a mudar. Somente assim vamos ser ouvidos quando perguntarmos se a revolução sexual proporcionou a liberdade, a igualdade e a realização humanas que ela prometeu.
Por exemplo, o que aconteceu com a promessa de liberação sexual? Em seu livro Sex by Numbers,2 o estatístico David Spiegelhalter apresenta evidências convincentes de que, nos últimos 30 anos, o sexo como atividade recreativa de fato esteve em constante declínio. A revolução sexual prometeu mais sexo, porém os fatos mostram que ela trouxe menos.
Mais sério ainda, qual tem sido o impacto sobre os filhos? A revolução sexual prometeu justiça e igualdade, mas a realidade é que o colapso do casamento contribuiu para acumular injustiças e desigualdades estruturais sobre os mais vulneráveis, as crianças.
O casamento (uma mãe e um pai unidos pela promessa de fidelidade por toda a vida) é bom para os filhos. Não nego que alguns casamentos específicos são muito ruins para o filho, nem que alguns arranjos familiares não-tradicionais (como a adoção por pais do mesmo sexo) podem ser muito bons. Contudo, a grosso modo, a evidência sugere que o bem-estar dos filhos é melhor em uma cultura de casamentos fortes.
Nas décadas de 60 e 70, com o lançamento da revolução sexual, as taxas de divórcio dispararam. Ainda hoje, 42% dos casamentos termina em divórcio. Somente a metade dos filhos vive com ambos os pais (pai e mãe) quando chega aos 16 anos. Naturalmente, é preciso interpretar com cuidado os casos individuais, mas a evidência é esmagadora: o divórcio, em geral, é uma notícia muito ruim para os filhos3.
Com o aumento da co-habitação (morar junto sem se casar), as notícias pioraram ainda mais. O ano de 2008 teve a menor porcentagem de pessoas se casando desde que se tem registro; a co-habitação é a nova norma4. Segundo dados da Marriage Foundation5, apenas a quarta parte dos casais que se casam primeiro e depois têm filhos se separam. Em contrapartida, independente da idade da mãe e de seu nível de estudos, mais da metade das que dão à luz e depois se casam se separam, e mais de um terço dos que nunca se casam acabam por separar-se.
A dificuldade para os filhos desses relacionamentos quebrados é que a maioria viveu em lares monoparentais e, normalmente, sem uma figura estável do pai. Os homens que não estão casados com a mãe de seus filhos são muito menos propensos a investir financeira, prática e emocionalmente na vida dessas crianças6. Aqui, não podemos ignorar as importantes relações entre a ausência paterna, a pobreza e a baixa escolaridade7.
A simples genialidade do casamento torna os homens responsáveis pelas crianças que ajudam a trazer para o mundo. É claro que as mães solteiras fazem um trabalho extraordinário, e muitos filhos estarão melhores com uma mãe solteira do que com um pai abusivo e inútil. No entanto, não podemos nos silenciar sobre a situação ideal, geralmente: os filhos estão melhores com uma mãe e com um pai em casa. Tenho dito.
Naturalmente, esses dados despertam todo tipo de perguntas metodológicas, sem esquecer as questões de causa e consequência. É o casamento que produz a virtude da fidelidade e do compromisso ou as pessoas que têm essas virtudes são mais propensas a casar-se? Jamais poderemos esclarecer completamente essa questão, mas é cada vez mais claro que essas explicações se complementam ao invés de se oporem.
Existem atitudes que o governo deve tomar na área do apoio aos filhos, da educação e da redução das desigualdades econômicas. Porém, há outras que todos devemos ter para fomentar a cultura de casamentos fortes, que se consolidem na expectativa de que as crianças e os jovens desenvolvam as virtudes do compromisso e da fidelidade, as quais os ajudarão a cumprir suas responsabilidades.
Poderíamos seguir analisando as consequências da revolução em uma série de áreas, particularmente, quanto ao escândalo e à tragédia da pornograficação e da sexualização da infância. Contudo, devemos concluir voltando à questão central: à luz desses fracassos, os evangélicos têm algo melhor a oferecer?
Uma história melhor
Quem se prende a uma visão moral bíblica do sexo e do casamento precisa contar uma história melhor. Nossa cultura sabe muito bem aquilo a que nos opomos; mas e aquilo em favor do que lutamos? Segundo a visão bíblica, para que serve o sexo? Para que serve o casamento? Para que servem as famílias? Não há necessidade de caminhar olhando para trás, pois você não pode voltar a um bucólico paraíso moral da década de 50 que jamais existiu. Os desafios da revolução sexual exigem uma re-imaginação radical da narrativa bíblica do sexo, do casamento e da realização humana. Que aspectos essa nova noção pode ter? Aqui, eu posso apenas esboçar o esqueleto, mas devemos enquadrar nossa narrativa em uma convicção renovada de que o evangelho é realmente uma boa notícia, que transmite a verdade sobre o florescer humano, que oferece vida ao mundo.
Primeiramente, nossa visão é que não fomos deixados sozinhos, construindo-nos a nós mesmos na escuridão. Se o universo essencialmente não tem sentido, se ele carece de uma ordem natural, então devemos construirmo-nos o melhor que pudermos, e a revolução sexual proporciona uma variada seleção de identidades sexuais para enriquecer nossa escolha. Você pode decidir por uma e, ao se cansar, vai e troca por outra. Todavia, quando essa liberdade se converte em uma aterradora sala de espelhos, em uma roda de reinvenção eterna, então a boa notícia é que Deus não nos deixou sós. Nas Escrituras, ele não somente revela quem ele é, mas também quem somos nós: ele nos fala de nossa identidade.
Em consequência, na narrativa cristã, o cultivo da identidade pessoal se sustém no conhecimento de que fomos criados, homem e mulher, à imagem e semelhança de Deus. Ao nos aventurarmos em nossas jornadas únicas no mundo dos relacionamentos e comunidades, o fazemos sabendo que Deus colocou limites na expressão de nossos interesses sexuais; limites bons e necessários para o nosso bem-estar e para a educação de nossos filhos. Podemos aproveitar os dados das ciências sociais para reforçar nosso argumento.
Segundo, devemos estar preparados para dizer que vivemos em um mundo caído e fraturado e que, por isso, o chamado cristão ao discipulado nunca é fácil, mas sempre é bom. Nosso distanciamento de Deus tem um preço em nossa natureza física, intelectual e emocional, em desejos e apetites desordenados e, em algumas pessoas, em uma profunda e dolorosa dissonância de confusão de gênero. Contudo, a boa notícia é que todos nós somos igualmente bem-vindos sob a grande tenda de hospitalidade que é a graça de Deus.
A graça de Deus sempre nos aceita tal como somos, mas nunca nos deixa como somos. Por isso as exigências radicais do discipulado cristão são sempre boas. A jornada pode ser longa, lenta e dolorosa, mas o evangelho nos dá a visão de que um dia voltaremos de verdade ao lar. Quem perseverar até o fim, além de ser salvo, verá, em carne santa, o rosto do próprio Deus.
Essa narrativa também precisa ser povoada com heróis, aqueles que têm coragem de nadar contra a correnteza do espírito da época, pessoas inspiradas pelo evangelho para descobrir por si mesmas as bênçãos da obediência e da submissão; jovens valentes com intrepidez para enfrentar o sexo consumista e as políticas de identidade de hoje em dia.
Finalmente, devemos estar dispostos a dar asas à imaginação das pessoas. A Bíblia nos diz que as maneiras de viver em santidade são vívidas alegorias do evangelho que as sustém. São sinais, imagens e entradas ao evangelho. Em Efésios, por exemplo, o apóstolo Paulo nos diz12 que quando um homem e uma mulher se prometem fidelidade como “uma só carne”, tornam-se sinais do mistério do pacto de amor e entrega de Deus por nós em Cristo. Em outras palavras, Deus gravou a história do seu amor por seu povo na forma de suas relações físicas mais íntimas.
Quando vivemos esse estilo de vida fiel e comprometido, estamos contando a história de amor de Deus em nossa própria carne, e aquele que abraçar a castidade enquanto está solteiro também dá testemunho da realidade maior de que o amor apaixonado de Deus sempre implica um pacto. Portanto, além de contar a história do evangelho com nossas palavras, com nossas relações o expomos.
Nunca devemos abandonar a esfera pública, pois as virtudes da visão moral cristã são para todo mundo, não somente para nós. Devemos, porém, primeiro revitalizá-las em nossas próprias vidas e corações, nas nossas igrejas, no trabalho de pastores e professores, no grupo de jovens e no de adultos. Muito ainda precisa ser feito para desafiar os compromissos do passado, sem esquecer as atitudes com relação ao divórcio e ao escândalo de nossa aproximação ocasional ao sexo extramarital.
Uma tarefa difícil? Não será a primeira vez. Faz 2 mil anos, a crença de que Jesus de Nazaré havia ressurgido da morte inspirou os cristãos a criar uma cultura (a maneira em que tratavam as mulheres, as crianças, as pessoas exploradas sexualmente, os escravos e os pobres) tão atraente para os pagãos do quarto século depois de Cristo que um império inteiro acercou-se à fé.
Naturalmente, há muitas perguntas, e podemos defender nossa postura de uma maneira boa ou ruim. Precisamos de sabedoria e coragem, mas, pelo bem de nossos filhos, do evangelho e da vida no mundo, a visão moral bíblica é uma história que devemos estar preparados para contar quantas vezes forem necessárias.
Notas
1. Smith, James, K.A (2014) How (Not) to be Secular: Reading Charles Taylor. Eerdmans.
2. Spiegelhalter, D (2015) Sex by Numbers. Wellcome
3. http://www.centreforsocialjustice.org.uk/core/wp-content/uploads/2016/08/CSJ_Forgotten-Families-Oct12_-FINAL.pdf
4. https://www.theguardian.com/news/datablog/2010/feb/11/marriage-rates-uk-data#data
5. Benson, H (2015) Get Married before you have Children. Marriage Foundation. http://marriagefoundation.org.uk/publication_doc/get-married/
6. Pew Research Center, Social and Demographic. Trends: http://www.pewsocialtrends.org/2011/06/15/a-tale-of-two-fathers/
7. http://www.centreforsocialjustice.org.uk/in-the-news
8. Efesios 5:31
• Glynn Harrison é professor emérito de psiquiatria na Universidade de Bristol, no Reino Unido.
Clique aqui e leia a primeira parte do artigo “Reinventando a visão bíblica de casamento e sexo”.
Este artigo foi publicado originalmente em inglês em 28 de setembro de 2016 em Evangelical Focus, e em espanhol aqui.
Em janeiro de 2017, o livro “A Better Story: God, sex and the human flourishing” foi publicado, também em inglês, e está disponivel aqui.
Foto: Designed by Freepik
Por Glynn Harrison
Traduzido por Elisa Camargo
Devemos entender que a revolução sexual tem poder narrativo. Segundo o filósofo Charles Taylor, os feitos entrelaçados a narrações possuem maior poder persuasivo. Assim sendo, para contrariar eficazmente algumas narrativas, não basta oferecer dados e evidências rivais. É necessário, também, contar uma história diferente.1
No imaginário popular, a revolução sexual não é uma lista de feitos, mas uma história. É a narrativa da libertação do espírito humano da vergonha asfixiante da tradição cristã. Nela, encontramos argumentos secundários, como heróis que tiveram coragem de nadar contra a corrente do ódio e do preconceito e vilões que tentaram afogá-los. Ouvimos essas histórias vez ou outra, em séries cômicas e românticas, em dramas e em documentários. Nossa resposta, muitas vezes, é um monte de argumentos complicados ou listas de “desviações” e enfermidades. Isso simplesmente não funciona. Precisamos contar outra história. Uma melhor, que satisfaça tanto a imaginação como o intelecto.
O que fazer então?
Primeiro, precisamos de uma crítica melhor, que comece abordando a revolução sexual em seus próprios termos, não nos nossos. Deveríamos estar dispostos a humilhar-nos. Quanto ao desafio da cultura cristã de vergonha, julgamentos e hipocrisia, devemos aceitar a bronca e demonstrar que estamos genuinamente dispostos a aprender e a mudar. Somente assim vamos ser ouvidos quando perguntarmos se a revolução sexual proporcionou a liberdade, a igualdade e a realização humanas que ela prometeu.
Por exemplo, o que aconteceu com a promessa de liberação sexual? Em seu livro Sex by Numbers,2 o estatístico David Spiegelhalter apresenta evidências convincentes de que, nos últimos 30 anos, o sexo como atividade recreativa de fato esteve em constante declínio. A revolução sexual prometeu mais sexo, porém os fatos mostram que ela trouxe menos.
Mais sério ainda, qual tem sido o impacto sobre os filhos? A revolução sexual prometeu justiça e igualdade, mas a realidade é que o colapso do casamento contribuiu para acumular injustiças e desigualdades estruturais sobre os mais vulneráveis, as crianças.
O casamento (uma mãe e um pai unidos pela promessa de fidelidade por toda a vida) é bom para os filhos. Não nego que alguns casamentos específicos são muito ruins para o filho, nem que alguns arranjos familiares não-tradicionais (como a adoção por pais do mesmo sexo) podem ser muito bons. Contudo, a grosso modo, a evidência sugere que o bem-estar dos filhos é melhor em uma cultura de casamentos fortes.
Nas décadas de 60 e 70, com o lançamento da revolução sexual, as taxas de divórcio dispararam. Ainda hoje, 42% dos casamentos termina em divórcio. Somente a metade dos filhos vive com ambos os pais (pai e mãe) quando chega aos 16 anos. Naturalmente, é preciso interpretar com cuidado os casos individuais, mas a evidência é esmagadora: o divórcio, em geral, é uma notícia muito ruim para os filhos3.
Com o aumento da co-habitação (morar junto sem se casar), as notícias pioraram ainda mais. O ano de 2008 teve a menor porcentagem de pessoas se casando desde que se tem registro; a co-habitação é a nova norma4. Segundo dados da Marriage Foundation5, apenas a quarta parte dos casais que se casam primeiro e depois têm filhos se separam. Em contrapartida, independente da idade da mãe e de seu nível de estudos, mais da metade das que dão à luz e depois se casam se separam, e mais de um terço dos que nunca se casam acabam por separar-se.
A dificuldade para os filhos desses relacionamentos quebrados é que a maioria viveu em lares monoparentais e, normalmente, sem uma figura estável do pai. Os homens que não estão casados com a mãe de seus filhos são muito menos propensos a investir financeira, prática e emocionalmente na vida dessas crianças6. Aqui, não podemos ignorar as importantes relações entre a ausência paterna, a pobreza e a baixa escolaridade7.
A simples genialidade do casamento torna os homens responsáveis pelas crianças que ajudam a trazer para o mundo. É claro que as mães solteiras fazem um trabalho extraordinário, e muitos filhos estarão melhores com uma mãe solteira do que com um pai abusivo e inútil. No entanto, não podemos nos silenciar sobre a situação ideal, geralmente: os filhos estão melhores com uma mãe e com um pai em casa. Tenho dito.
Naturalmente, esses dados despertam todo tipo de perguntas metodológicas, sem esquecer as questões de causa e consequência. É o casamento que produz a virtude da fidelidade e do compromisso ou as pessoas que têm essas virtudes são mais propensas a casar-se? Jamais poderemos esclarecer completamente essa questão, mas é cada vez mais claro que essas explicações se complementam ao invés de se oporem.
Existem atitudes que o governo deve tomar na área do apoio aos filhos, da educação e da redução das desigualdades econômicas. Porém, há outras que todos devemos ter para fomentar a cultura de casamentos fortes, que se consolidem na expectativa de que as crianças e os jovens desenvolvam as virtudes do compromisso e da fidelidade, as quais os ajudarão a cumprir suas responsabilidades.
Poderíamos seguir analisando as consequências da revolução em uma série de áreas, particularmente, quanto ao escândalo e à tragédia da pornograficação e da sexualização da infância. Contudo, devemos concluir voltando à questão central: à luz desses fracassos, os evangélicos têm algo melhor a oferecer?
Uma história melhor
Quem se prende a uma visão moral bíblica do sexo e do casamento precisa contar uma história melhor. Nossa cultura sabe muito bem aquilo a que nos opomos; mas e aquilo em favor do que lutamos? Segundo a visão bíblica, para que serve o sexo? Para que serve o casamento? Para que servem as famílias? Não há necessidade de caminhar olhando para trás, pois você não pode voltar a um bucólico paraíso moral da década de 50 que jamais existiu. Os desafios da revolução sexual exigem uma re-imaginação radical da narrativa bíblica do sexo, do casamento e da realização humana. Que aspectos essa nova noção pode ter? Aqui, eu posso apenas esboçar o esqueleto, mas devemos enquadrar nossa narrativa em uma convicção renovada de que o evangelho é realmente uma boa notícia, que transmite a verdade sobre o florescer humano, que oferece vida ao mundo.
Primeiramente, nossa visão é que não fomos deixados sozinhos, construindo-nos a nós mesmos na escuridão. Se o universo essencialmente não tem sentido, se ele carece de uma ordem natural, então devemos construirmo-nos o melhor que pudermos, e a revolução sexual proporciona uma variada seleção de identidades sexuais para enriquecer nossa escolha. Você pode decidir por uma e, ao se cansar, vai e troca por outra. Todavia, quando essa liberdade se converte em uma aterradora sala de espelhos, em uma roda de reinvenção eterna, então a boa notícia é que Deus não nos deixou sós. Nas Escrituras, ele não somente revela quem ele é, mas também quem somos nós: ele nos fala de nossa identidade.
Em consequência, na narrativa cristã, o cultivo da identidade pessoal se sustém no conhecimento de que fomos criados, homem e mulher, à imagem e semelhança de Deus. Ao nos aventurarmos em nossas jornadas únicas no mundo dos relacionamentos e comunidades, o fazemos sabendo que Deus colocou limites na expressão de nossos interesses sexuais; limites bons e necessários para o nosso bem-estar e para a educação de nossos filhos. Podemos aproveitar os dados das ciências sociais para reforçar nosso argumento.
Segundo, devemos estar preparados para dizer que vivemos em um mundo caído e fraturado e que, por isso, o chamado cristão ao discipulado nunca é fácil, mas sempre é bom. Nosso distanciamento de Deus tem um preço em nossa natureza física, intelectual e emocional, em desejos e apetites desordenados e, em algumas pessoas, em uma profunda e dolorosa dissonância de confusão de gênero. Contudo, a boa notícia é que todos nós somos igualmente bem-vindos sob a grande tenda de hospitalidade que é a graça de Deus.
A graça de Deus sempre nos aceita tal como somos, mas nunca nos deixa como somos. Por isso as exigências radicais do discipulado cristão são sempre boas. A jornada pode ser longa, lenta e dolorosa, mas o evangelho nos dá a visão de que um dia voltaremos de verdade ao lar. Quem perseverar até o fim, além de ser salvo, verá, em carne santa, o rosto do próprio Deus.
Essa narrativa também precisa ser povoada com heróis, aqueles que têm coragem de nadar contra a correnteza do espírito da época, pessoas inspiradas pelo evangelho para descobrir por si mesmas as bênçãos da obediência e da submissão; jovens valentes com intrepidez para enfrentar o sexo consumista e as políticas de identidade de hoje em dia.
Finalmente, devemos estar dispostos a dar asas à imaginação das pessoas. A Bíblia nos diz que as maneiras de viver em santidade são vívidas alegorias do evangelho que as sustém. São sinais, imagens e entradas ao evangelho. Em Efésios, por exemplo, o apóstolo Paulo nos diz12 que quando um homem e uma mulher se prometem fidelidade como “uma só carne”, tornam-se sinais do mistério do pacto de amor e entrega de Deus por nós em Cristo. Em outras palavras, Deus gravou a história do seu amor por seu povo na forma de suas relações físicas mais íntimas.
Quando vivemos esse estilo de vida fiel e comprometido, estamos contando a história de amor de Deus em nossa própria carne, e aquele que abraçar a castidade enquanto está solteiro também dá testemunho da realidade maior de que o amor apaixonado de Deus sempre implica um pacto. Portanto, além de contar a história do evangelho com nossas palavras, com nossas relações o expomos.
Nunca devemos abandonar a esfera pública, pois as virtudes da visão moral cristã são para todo mundo, não somente para nós. Devemos, porém, primeiro revitalizá-las em nossas próprias vidas e corações, nas nossas igrejas, no trabalho de pastores e professores, no grupo de jovens e no de adultos. Muito ainda precisa ser feito para desafiar os compromissos do passado, sem esquecer as atitudes com relação ao divórcio e ao escândalo de nossa aproximação ocasional ao sexo extramarital.
Uma tarefa difícil? Não será a primeira vez. Faz 2 mil anos, a crença de que Jesus de Nazaré havia ressurgido da morte inspirou os cristãos a criar uma cultura (a maneira em que tratavam as mulheres, as crianças, as pessoas exploradas sexualmente, os escravos e os pobres) tão atraente para os pagãos do quarto século depois de Cristo que um império inteiro acercou-se à fé.
Naturalmente, há muitas perguntas, e podemos defender nossa postura de uma maneira boa ou ruim. Precisamos de sabedoria e coragem, mas, pelo bem de nossos filhos, do evangelho e da vida no mundo, a visão moral bíblica é uma história que devemos estar preparados para contar quantas vezes forem necessárias.
Notas
1. Smith, James, K.A (2014) How (Not) to be Secular: Reading Charles Taylor. Eerdmans.
2. Spiegelhalter, D (2015) Sex by Numbers. Wellcome
3. http://www.centreforsocialjustice.org.uk/core/wp-content/uploads/2016/08/CSJ_Forgotten-Families-Oct12_-FINAL.pdf
4. https://www.theguardian.com/news/datablog/2010/feb/11/marriage-rates-uk-data#data
5. Benson, H (2015) Get Married before you have Children. Marriage Foundation. http://marriagefoundation.org.uk/publication_doc/get-married/
6. Pew Research Center, Social and Demographic. Trends: http://www.pewsocialtrends.org/2011/06/15/a-tale-of-two-fathers/
7. http://www.centreforsocialjustice.org.uk/in-the-news
8. Efesios 5:31
• Glynn Harrison é professor emérito de psiquiatria na Universidade de Bristol, no Reino Unido.
Clique aqui e leia a primeira parte do artigo “Reinventando a visão bíblica de casamento e sexo”.
Este artigo foi publicado originalmente em inglês em 28 de setembro de 2016 em Evangelical Focus, e em espanhol aqui.
Em janeiro de 2017, o livro “A Better Story: God, sex and the human flourishing” foi publicado, também em inglês, e está disponivel aqui.
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